DISTRIBUIÇÃO DE RISCOS CONTRATUAIS E A PANDEMIA DE COVID-19
Mariana Fontes Da Costa - noiembrie 26, 2021Mariana Fontes da Costa(*)
Resumo
A distribuição de riscos constitui uma das funções mais relevantes do direito dos contratos. As regras gerais nesta matéria determinam que o risco de prestação recai sobre o devedor e o risco de utilização recai sobre o credor, sendo inúmeras as manifestações concretas destes princípios nos diferentes ordenamentos jurídicos. Porém, importa questionar se estas regras mantêm a sua validade e adequação perante a ocorrência de eventos de elevado grau de atipicidade, geradores de perturbações generalizadas do tráfego negocial, como é o caso da atual pandemia de Covid‑19. Institutos como a alteração superveniente das circunstâncias, a colisão de direitos e deveres e o abuso de direito poderão ser chamados a desempenhar um importante papel corretivo neste contexto.
Abstract
Risk allocation is one of the most important tasks of contract law. According to the general rule, the loss lies where it falls, meaning that the debtor bears the risks related to performance and the creditor bears the risks related to use. However, one may question if these rules are still valid and should be applied in contexts of extreme abnormality and intense disruption, such as the Covid‑19 pandemic. Legal institutes such as the change of circumstances, collision of rights and duties and the abuse of right may be brought into play to correct distortions in the present reality.
Palavras‑chave: Distribuição de riscos contratuais; Covid‑19; alteração superveniente das circunstâncias.
Keywords: Contractual risks allocation; Covid‑19; change of circumstances.
Sumário: § 1. Considerações introdutórias. § 2. O risco contratual e a relevância da sua distribuição entre os contraentes. §3. Regras de distribuição do risco contratual. §4. A (des)adequação das regras legais de distribuição do risco contratual em contexto pandémico. §5. Considerações finais.
§ 1.
Considerações introdutórias
No dia 31 de dezembro de 2019, a Comissão Municipal de Saúde da cidade de Wuhan, na China, reportou diversos casos de uma pneumonia de causa desconhecida, ligados a um mercado de alimentos e animais vivos situado nessa cidade. Poucos dias depois, a 9 de janeiro de 2020, o Centro de Prevenção e Controlo das Doenças da China informa que um novo coronavírus, SARS‑CoV‑2 foi detetado como agente causador de várias dessas pneumonias.
Menos de três meses depois do conhecimento dos primeiros casos de SARS‑CoV‑2, a Organização Mundial de Saúde declarou, no dia 11 de março de 2020, que o surto de doença provocado por este vírus, designada por Covid‑19, tinha atingido a natureza de pandemia, com reflexos mundiais.
Desde então, têm‑se sucedido em todo o mundo períodos de aumento exponencial de taxas de infeção de Covid‑19 – designados por vagas –, alternados com períodos de menor incidência da doença. Esta evolução tem sido acompanhada, concomitantemente, com o reforço ou relaxamento de medidas de contingência destinadas a travar o aumento da incidência do vírus nas populações, assentes em princípios fundamentais de distanciamento social e, em maior ou menor medida, de restrições ao contacto social.
Este contexto tem vindo a refletir‑se de forma particularmente perniciosa na realidade contratual por duas vias: seja pelas perturbações ao cumprimento geradas pela própria doença a quem dela padece, seja pelas limitações ao cumprimento geradas pelas medidas de combate à pandemia, que afetam, de modo mais ou menos generalizado, todos os atores sociais.
Assim, e como tivemos já oportunidade de escrever noutros contextos, a pandemia de Covid‑19 constitui uma perturbação de largo espectro, que afeta de modo particularmente violento todo o equilíbrio da vida social e põe em causa o modo de vida das comunidades, com reflexos numa multiplicidade de sujeitos, setores económicos e relações negociais[1]; daí que nos refiramos a ela como uma “perturbação da grande base do negócio”, na terminologia clássica de G. Kegel[2].
Ao nível do direito dos contratos, o impacto imediato da pandemia de Covid‑19 tem‑se situado, sobretudo, em torno do designado direito da perturbação das prestações («das Recht der Leistungstörungen»)[3], em especial ao nível da impossibilidade ou aumento da dificuldade de cumprimento pelo devedor e ao nível da frustração do fim da prestação e do não exercício definitivo ou temporário do direito à prestação pelo credor. Trata‑se, como aprofundaremos nos §§ seguintes, de matérias diretamente relacionadas com o problema do risco contratual e da sua distribuição.
É expectável – e começa já a haver sinais claros nesse sentido – que o impacto da pandemia se faça igualmente sentir ao nível da negociação e conteúdo dos contratos que tenham sido e venham a ser celebrados após março de 2020, já com o conhecimento pelas partes do potencial de impacto pandémico na vida das relações negociais. Será de admitir que nestes contratos, sobretudo quando associados a vínculos prolongados no tempo, a matéria das perturbações da prestação venha a ser objeto de especial atenção e densificação contratual, com recurso a cláusulas de distribuição de riscos pensadas especificamente para cenários de cataclismo como o que agora vivemos.
No centro de ambos os fenómenos situa‑se, como preocupação central do direito dos contratos, o problema do risco.
§ 2.
O risco contratual e a relevância da sua distribuição entre os contraentes.
Recorrendo às palavras de Martin Henssler[4], na sua obra “Risiko als Vertragsgegenstand”, a distribuição de riscos contratuais corresponde a uma função central do direito dos contratos.
Utilizando a definição apresentada por J. Baptista Machado, o risco constitui o “perigo de um prejuízo que alguém suporta como titular de uma posição jurídica”[5]. O risco contratual encontra‑se, assim, associado a uma situação de incerteza acerca de uma potencial ocorrência de um evento gerador de uma perda ou dano ligados à execução das prestações contratuais. As regras de distribuição de risco contratual têm como função determinar na esfera de qual das partes contratantes se irá refletir esse prejuízo.
São, portanto, dois os elementos associados à noção de risco contratual: por um lado, a possibilidade de verificação de um evento juridicamente relevante, gerador de uma perda ou dano, e por outro, a necessidade de imputação dessa perda a um património, sobre o qual o ordenamento jurídico faz recair o perigo da ocorrência[6].
O juízo de racionalidade económica associado à celebração de contratos ‑ sobretudo quando estão em causa contratos comerciais de longa duração ‑ resulta de uma análise ponderativa entre o desvalor previsível associado ao cumprimento da prestação contratualmente devida à parte contrária, ao qual o operador soma o valor de potenciais perigos de desvalor acrescido que possam afetar negativamente os ganhos expectáveis com o contrato, avaliados segundo um juízo probabilístico de ocorrência, aos quais se comparam, contrapondo, o valor previsível da contraprestação a obter com o cumprimento do contrato e o valor expectável que essa contraprestação poderá vir a gerar, avaliado igualmente segundo um juízo de probabilidades. O operador comercial contrata por acreditar que a vantagem obtida com a prestação contratual a que tem direito irá superar a perda gerada com o cumprimento da contraprestação e dos riscos que ele identifica como potenciais prejuízos acrescidos emergentes do contrato[7].
O problema do risco contratual e, em especial, da sua distribuição pelos contraentes, está diretamente relacionado com a inelutável incompletude dos contratos.
Recorrendo aos ensinamentos da análise económica do direito, o “fully specified contract” corresponde a uma construção teórica assente na figura de um contrato, cujo conteúdo especificaria todas as circunstâncias possíveis, presentes e futuras, que poderiam vir a ter impacto na relação contratual, assim como as consequências da sua verificação para a execução do contrato[8]. Este conceito parte do arquétipo de um contrato, no âmbito do qual as partes teriam alocado todos os riscos possíveis associados ao seu cumprimento. Isto significa que as partes teriam previsto e regulado negocialmente todas as possíveis eventualidades suscetíveis de gerar perdas associadas à execução contratual, bem como a identificação do contraente que suportaria essas perdas e a conduta que esse contraente deveria adotar perante o evento gerador da perda, no contexto da relação contratual.
A materialização efetiva de um “fully specified contract” é incompatível com a realidade negocial, esbarrando com duas limitações fundamentais[9].
A primeira limitação prende‑se com a própria natureza humana dos sujeitos efetivamente envolvidos nas negociações e diz respeito à racionalidade limitada dos agentes, biologicamente incapazes de conhecer e ponderar toda a informação relevante que está disponível para a tomada de decisões e de prever toda e qualquer evolução futura da realidade que envolve o vínculo contratual[10].
A segunda causa de incompletude contratual está relacionada com uma escolha consciente dos contraentes e justifica‑se pelo peso incomportável dos custos de transação associados a uma negociação exaustiva do contrato[11]. Em contexto negocial, sobretudo quando envolva a geração de vínculos de elevada complexidade e grande incerteza, os custos de recolher e processar a informação necessária para tomar decisões regulatórias quanto a aspetos subsidiários e/ou de ocorrência probabilisticamente reduzida da disciplina contratual podem exceder as vantagens que as partes retiram dessa mesma regulação[12].
No encontro destas duas causas residirá a explicação possível – dir‑se‑á, mesmo, provável ‑ para a ausência quase generalizada de regulação contratual dos riscos associados ao fenómeno pandémico que hoje vivemos, nos contratos que se encontravam em curso a 11 de março de 2020.
Aferir da distribuição de riscos contratuais é uma tarefa com forte pendor casuístico, dado o potencial de autorregulação emergente do próprio conteúdo do contrato, sendo inúmeras as cláusulas socialmente típicas[13] de distribuição de riscos contratuais.
Porém, e pelas razões mencionadas supra, esta distribuição não se esgota na disciplina do contrato, sendo de especial relevância a distribuição de riscos que deriva diretamente da lei, nomeadamente do regime jurídico de institutos tradicionais do direito da perturbação das prestações, como a impossibilidade de cumprimento e a alteração superveniente das circunstâncias[14]. Para além das regras de distribuição legal e contratual dos riscos, a correta aplicação do direito ao caso concreto pode exigir a ponderação de outros aspetos modeladores e densificadores de interpretação (em sentido amplo), de que se destacam a natureza do evento gerador do risco, o tipo contratual em causa, os usos do setor (sobretudo nos contratos bilateralmente comerciais) e, eventualmente, as motivações individuais com reflexos na distribuição do esforço prestacional entre as partes[15].
§ 3.
Regras de distribuição do risco contratual
São duas as regras gerais de distribuição do risco contratual: o devedor suportará o designado “risco de prestação” e o credor suportará o “risco de utilização”.
No risco de prestação estão incluídas as perdas ocasionadas pelo agravamento do custo ou das dificuldades de cumprimento da prestação a que o devedor se encontra adstrito, na medida em que esta permaneça possível, bem como a perda do direito à contraprestação e os prejuízos resultantes dos dispêndios e esforços desenvolvidos com vista ao cumprimento da prestação, se esta, entretanto, se tornar impossível[16].
No risco de utilização estão incluídos a perda de utilidade da prestação para satisfazer o fim a que se destinava, assim como a impossibilidade da sua utilização, para esse ou outro fim, por falha no projeto de aplicação que o credor tinha para a mesma[17].
Ou seja, e transcrevendo o que tivemos oportunidade de explanar em texto anterior, “se o projeto obrigacional subjacente ao contrato falha por contingência que afeta a prestação (como conduta ou processo, ou no seu objeto), o risco pertencerá, em regra, ao devedor; quando o mesmo projeto fracasse por contingências relacionadas com o uso da prestação pelo credor, ou com a esfera de vida ou com a empresa deste, o risco correrá, em regra, por conta do credor”[18].
Estas regras gerais de distribuição do risco constituem, no fundo, a manifestação do princípio segundo o qual o prejuízo será, em regra, absorvido por quem originariamente o sofreu (“the loss lies where it falls”). Entende‑se que, na ausência de norma legal ou cláusula contratual em sentido distinto, serão estas as premissas que melhor respeitam o princípio da força obrigatória dos contratos e salvaguardam a autonomia privada.
Estas regras constituem, igualmente, concretização dos critérios que, por norma, melhor respondem às exigências de eficiência económica em matéria de distribuição do risco contratual. Procura‑se, através delas, distribuir o risco ao contraente que, em princípio, consegue evitar a concretização da perda ao menor custo («cheapest cost avoider»), ou, em alternativa, ao contraente que consiga repercutir essa perda sobre terceiro ao menor custo («cheapest cost insurer»)[19].
Deste modo, deverão recair sobre o devedor os riscos que incidem sobre a prestação propriamente dita, dado ser ele o contraente com maior poder de controlo para prevenir e mitigar o acréscimo de custos associados à execução da mesma e deverão recair sobre o credor os riscos de utilização da prestação, por ser o contraente com maior poder de controlo para prevenir ou mitigar as perdas associadas à oscilação da utilidade da prestação.
No ordenamento jurídico português são diversas as concretizações, por norma legal, das regras segundo as quais o risco de prestação corre por conta do devedor e o risco de utilização corre por conta do credor.
Assim, e a título meramente exemplificativo, em caso de impossibilidade definitiva de cumprimento não imputável a nenhuma das partes, nos termos do artigo 795.º, n.º 1 do Código Civil português, o devedor perde o direito à contraprestação, não estando previsto qualquer direito a um ressarcimento pelos dispêndios e esforços desenvolvidos com vista ao cumprimento da prestação que, entretanto, se tornou impossível.
Mais, caso a impossibilidade seja meramente temporária, nos termos do artigo 792.º, n.º 1 do Código Civil português, o devedor não responde pelos danos gerados com o atraso no cumprimento ao credor, mas permanece vinculado à execução da prestação assim que esta se torne possível, suportando os custos implicados nesta dilação da execução.
Um exemplo clássico da atribuição do risco de utilização ao credor encontra‑se no artigo 550.º do Código Civil português, do qual resulta que, nas obrigações pecuniárias, o risco de desvalorização monetária corre por conta do credor.
Questão especialmente controvertida – e de potencial elevado relevo no contexto atual de pandemia – prende‑se com o enquadramento legal e solução jurídica a aplicar aos casos de frustração do fim da prestação, ou seja, aos casos em que, sem culpa de qualquer das partes, a finalidade que o credor pretendia alcançar com a execução da prestação pelo devedor se tornou impossível.
Conforme tivemos oportunidade de defender anteriormente[20], tendemos a rejeitar, à luz do ordenamento jurídico português, um conceito alargado de prestação, no qual se inclua a satisfação do interesse contratualmente acordado do credor («Leistungserfolg»)[21]. Esta conceção conduziria, em rigor, a fazer equivaler a frustração do fim da prestação à impossibilidade de cumprimento, com a consequente aplicação do já mencionado artigo 795.º, n.º 1 do Código Civil português, ao abrigo do qual se extinguiria o dever de prestar do devedor, mas igualmente o dever de contraprestar do credor[22].
Ora, nos casos de frustração do fim da prestação está primordialmente em causa o risco de utilização da prestação, sendo que o evento gerador da frustração se encontra claramente mais próximo da esfera de vida do credor[23] do que da esfera de influência do devedor. Assim que nos pareça desadequada a aplicação a esta categoria de casos de uma solução que faz impender sobre o devedor os custos em que incorreu na preparação do cumprimento da prestação que este permanece disponível para executar.
Assim, em matéria de frustração do fim da prestação, deverá partir‑se da constatação de que, em regra, o interesse do credor está aquém da relação jurídica contratual, não fazendo parte do seu conteúdo, pelo que a perda de utilidade da prestação corre integralmente por sua conta: será o exemplo clássico do sujeito que arrenda um apartamento no Algarve durante o mês de agosto convicto de que gozará férias nesse período e vê depois as suas férias rejeitadas pela entidade patronal, não podendo usufruir do imóvel[24].
Diferentemente, nos casos em que o interesse do credor foi incluído no conteúdo contratual – seja por acordo das partes, seja por constituir a finalidade típica e única daquele tipo contratual – parece de defender que o risco de utilização da prestação deixa de poder ser imputado exclusivamente ao credor, passando a ser partilhado por ambas as partes. Nestes casos, não existe verdadeiramente uma impossibilidade de prestação, mas existe já uma impossibilidade de cumprimento, na medida em que o comportamento do devedor não preencherá o programa obrigacional a que se vinculou[25].
Neste segundo grupo de casos, defendemos que a consequência primordial deverá ser a extinção da obrigação de prestar do devedor, evitando os esforços e custos na adoção de uma conduta inútil. Porém, propugnamos, em alternativa à correspondente exoneração do credor quanto à sua prestação, que a este sejam imputados os custos em que o devedor incorreu com vista ao cumprimento, justificáveis segundo juízos de razoabilidade e boa fé. A solução proposta é idêntica à que resulta do artigo 1227.º do Código Civil português em casos de inexequibilidade da empreitada[26].
§ 4.
A (des)adequação das regras legais de distribuição do risco contratual em contexto pandémico
A atual conjuntura pandémica e o impacto brutal que a mesma teve e continua a ter na realidade negocial vieram, porém, tornar especialmente visível a constatação de que, em contextos extremos de anomalia no modus relacionandi das comunidades, a aplicação das regras tradicionais de distribuição dos riscos do contrato pode conduzir a resultados que conflituam com o sentido de justiça das próprias comunidades, em termos que não encontram qualquer equivalente com o próprio sentido inerente à autonomia da vontade e ao princípio pacta sunt servanda. Dir‑se‑á que, ao invés de representarem uma consequência logicamente compreensível do normal risco associado à realidade contratual, estas regras de distribuição do risco podem, nestes contextos, transformar‑se em critérios meramente arbitrários de atribuição de perdas[27].
Neste sentido vão igualmente os contributos da análise económica do direito. Perante a ocorrência de um evento de tal ordem atípico e anormal que não é expectável que fosse ponderado por qualquer das partes, nenhum dos contraentes tem a capacidade para evitar ou reduzir a probabilidade da sua ocorrência, pelo que falha o critério do “cheapest cost avoider”. Acresce que, em regra, o risco associado a estes eventos é também dificilmente alocável a terceiro, sendo que essa alocação pressupõe uma ponderação prévia da sua potencial ocorrência, o que com frequência também não ocorre: falhará assim, igualmente, o critério do “cheapest cost insurer”[28].
A questão da distribuição dos riscos contratuais em cenários fortemente disruptivos foi abordada por W. Flume, tendo o Autor concluído que, estando em causa um evento qualificável como uma perturbação da grande base do negócio (nos termos e com os critérios que brevemente descrevemos no §1 deste texto) será de admitir que, em regra, o mesmo não encontrará cabimento na distribuição dos riscos negociais feita através de norma legal ou cláusula contratual, exceto quando interpretação diversa seja imposta pelo seu teor específico[29].
O impacto desta afirmação faz‑se sentir, com especial acuidade, ao nível do espaço de aplicação do instituto da alteração superveniente das circunstâncias aos contratos cujo equilíbrio do esforço prestacional foi fortemente afetado pela pandemia, em especial no que se reporta ao preenchimento do requisito negativo de que a perturbação sofrida não pode encontrar cabimento nos riscos próprios do contrato (artigo 437.º, n.º 1 do Código Civil português).
Regra geral, as perturbações geradas pela pandemia de Covid‑19 representam riscos que excedem claramente os riscos típicos associados à grande maioria dos tipos contratuais[30].
Não será assim – parece‑nos – ao nível da delimitação dos riscos associados ao tipo contratual em causa que se colocará o problema do papel negativo do risco na aplicação do instituto da alteração superveniente das circunstâncias no atual contexto de pandemia, mas sim – e esta será uma questão de especial sensibilidade – ao nível do afastamento, por via do instituto da alteração superveniente das circunstâncias, de outras regras contratuais e/ou legais de distribuição de risco, que seriam, noutro contexto, aplicáveis ao caso.
Dois breves exemplos para ilustrar.
Um primeiro, que se colocou com acuidade em Portugal, prende‑se com o pagamento das mensalidades das creches durante os períodos de confinamento que implicaram o encerramento dos estabelecimentos de ensino.
Em termos de qualificação jurídica, parece tratar‑se de uma situação de impossibilidade de cumprimento do devedor que, por proibição legal, se vê impedido de acolher as crianças no estabelecimento de ensino (finalidade essencial da prestação de serviço das creches, onde o acolhimento e cuidado assumem dimensões principais do programa educativo). Trata‑se, ainda, de uma impossibilidade definitiva, dado não ser possível recuperar, em momento temporal posterior, o impedimento da prestação do serviço durante os meses de proibição do ensino presencial. E, por fim, ‑ entendemos ‑ estamos perante uma impossibilidade parcial, visto que os estabelecimentos de ensino apenas se viram impossibilitados de executar a parte da prestação relativa aos meses em que durou o encerramento temporário, estando, na larga maioria dos casos, em condições de retomar essa execução assim que cessou esse encerramento.
Ora, recorrendo aos critérios que analisámos no § anterior, da aplicação da regra segundo a qual o risco da prestação corre por conta do devedor resulta que, em caso de impossibilidade definitiva, este suporta o prejuízo da perda do direito à contraprestação, assim como os prejuízos resultantes dos dispêndios e esforços desenvolvidos com vista ao cumprimento, o que significaria que os pais das crianças inscritas nas creches ficariam liberados da obrigação de pagamento das mensalidades correspondentes, em termos proporcionais, aos períodos de proibição de atividades letivas presenciais nas creches (neste sentido parece apontar o artigo 793.º, n.º 1 do Código Civil português)[31].
Contudo, parece lícito questionar a justiça comutativa desta solução neste contexto de pandemia, considerando, nomeadamente, que estas instituições de ensino mantiveram custos logísticos significativos durante os períodos de encerramento, os quais foram essenciais para que pudessem retomar o cumprimento das prestações contratuais assim que permitido. Questões semelhantes se levantam a propósito dos custos suportados pelos devedores durante a impossibilidade temporária de cumprimento das suas prestações, de modo a conseguirem assegurar o cumprimento assim que cessado o impedimento[32].
Conforme tivemos oportunidade de escrever anteriormente, defendemos que a alocação contratual ou legal do risco apenas afasta a possibilidade de recurso ao instituto da alteração superveniente das circunstâncias quando positivamente engloba uma efetiva ponderação do evento anormal que deu origem à perda entretanto ocorrida e que é necessário alocar, ou seja, quando a sua rationem regulae não perde validade e legitimidade axiológico‑jurídica perante o evento gerador da perturbação[33].
Recorrendo às palavras do Tribunal da Relação de Coimbra, em acórdão de 31‑jan‑2006[34]: “[o] disposto no art. 437.º do C. Civ. não se aplica só quando não existem estipulações negociais ou normas que procedam a cominações expressas de risco ou que se reportam à impossibilidade de cumprimento total ou parcial das obrigações, mas quando apesar destas existirem, os princípios da boa fé continuem a revelar‑se gravemente afectados, após a sua aplicação”. Esta situação será muito mais propensa a ocorrer quando a natureza profundamente anormal e intensa do evento o torna especialmente imponderável perante uma distribuição de riscos pensada num e para um cenário dito de “normalidade”[35].
Um segundo conjunto de situações prende‑se com o relevo a reconhecer ao impacto da pandemia nas circunstâncias pessoais dos devedores, que afete direta e intensamente a sua capacidade para cumprir, nomeadamente por razões de alteração grave da sua capacidade económica. Recorrendo a um exemplo apresentado por Rui Ataíde, pense‑se nos casos, relativamente frequentes, de promitentes‑compradores de habitação, cujos contratos‑promessa foram celebrados nos meses que antecederam a pandemia, e que se vêm agora incapazes de cumprir o pagamento do preço associado ao contrato definitivo de compra e venda, porque esse cumprimento estava dependente da realização da venda da sua atual habitação, que se encontra comprometida pela, entretanto, forte desvalorização sofrida pelo mercado[36].
É claro que estas situações não encontram cabimento no regime da impossibilidade de cumprimento, dado tratar‑se de situações clássicas de difficultas praestandi, nas quais o cumprimento permanece material e juridicamente possível. Aplicando as regras do não cumprimento contratual, o risco desta “impossibilidade económica”[37] de cumprimento corre integralmente por conta do devedor, podendo ser‑lhe aplicado o regime do sinal, consagrado no artigo 442.º, n.º 1 do Código Civil português, ou mesmo, se reunidos os requisitos legais e assim desejado pelo promitente‑vendedor, o regime da execução específica do artigo 830.º do Código Civil português.
No entanto, parece‑nos ser de questionar se, perante uma perturbação da grande base do negócio da dimensão da que nos encontramos a viver, deve permanecer inalterado o entendimento restritivo do que constituem circunstâncias da esfera pessoal do devedor, como tal irrelevantes para efeitos de aplicação do regime da alteração superveniente das circunstâncias.
Esta questão prende‑se, à luz do direito português, com a imposição de que a perturbação anormal incida sobre “as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar” (artigo 437.º, n.º 1 do Código Civil português).
Resulta expressamente do elemento literal – e trata‑se de solução necessariamente imposta pela própria natureza da figura contratual – que o juízo acerca da incidência da alteração na designada “base do negócio” tem de ser um juízo bilateral, reportando‑se quer ao devedor, quer ao credor das prestações afetadas.
Esta bilateralidade pode resultar do facto de a essencialidade daquelas circunstâncias ser partilhada por ambas as partes, mas pode igualmente resultar do facto de a representação determinante para a decisão de contratar do lesado ser ou poder ser identificada, nessa essencialidade para o lesado, pela contraparte[38]. Daqui se retira, desde logo, como consequência, a irrelevância dos motivos puramente subjetivos do lesado, desconhecidos e não cognoscíveis para a contraparte.
Acresce, porém, que não basta o conhecimento ou cognoscibilidade do motivo individual que levou o lesado a contratar, para que este se torne parte da base bilateral do negócio. Seguindo os ensinamentos de Manuel de Andrade, é ainda necessário concluir que, de acordo com as circunstâncias concretas, se o lesado tivesse proposto à contraparte a dependência da celebração do contrato naqueles termos à não ocorrência da perturbação entretanto verificada, a contraparte a ela se não teria oposto, ou pelo menos, o não deveria fazer segundo a boa fé. Manuel de Andrade vai mais longe, defendendo que a mesma solução deve ser aplicada sempre que a manutenção dos termos do contrato, ainda que à data da celebração a aceitação das condicionantes associadas às circunstâncias não fosse exigida pela boa fé, seja, entretanto, a esta contrária[39].
Ora, se em regra a aplicação deste juízo conduz à irrelevância dos motivos individuais do lesado em matéria de alteração superveniente das circunstâncias, admitimos que a resposta possa ser distinta, quando esteja em causa uma perturbação grave da grande base do negócio, como a pandemia que estamos a viver e quando a perturbação nas circunstâncias subjetivas da esfera do lesado deixa de ser uma consequência imputável ao normal risco de vida de cada um e assume uma dimensão social endémica, de proporções acentuadas, precisamente causada por essa perturbação[40]. Em sentido corroborante com a posição que ora apresentamos, e a título de obiter dictum, escreve‑se no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19‑fev‑2013[41] que será de admitir que “[a] circunstância do desemprego pode, por apelo aos princípios da coesão e solidariedade social, constituir uma alteração anormal das circunstâncias quando se mostre generalizado, massivo (…)”[42].
Apesar do seu papel privilegiado na correção de eventuais distorções à aplicação, na prática, das finalidades inerentes às regras gerais de distribuição dos riscos contratuais, o instituto da alteração superveniente das circunstâncias não é o único mecanismo jurídico potencialmente capaz de corrigir essas distorções geradas no seio da pandemia de Covid‑19.
A título meramente exemplificativo, refira‑se a possibilidade de invocação do instituto da colisão de deveres e de direitos para dar resposta a algumas questões de impossibilidade moral geradas pela pandemia[43]. Pense‑se no caso do trabalhador que, tendo um filho bebé portador de patologia de risco para efeitos de Covid‑19, se recusa a executar as suas tarefas laborais em contexto de elevado risco de contágio.
Um outro instituto que poderá, em casos extremos, vir a ser chamado a atuar em matéria de (re)distribuição do risco contratual é o instituto do abuso de direito, consagrado no artigo 334.º do Código Civil português. Este instituto poderá ser chamado a desempenhar um papel especialmente relevante no controlo da legitimidade da exigência de cumprimento ‑ ou de aplicação das correspondentes sanções pelo não cumprimento – de determinadas cláusulas contratuais de atribuição de riscos. Sem prejuízo da necessária análise casuística, pensemos, por exemplo, numa cláusula resolutiva de compra mínima, associada a um contrato de franquia de um estabelecimento de restauração, ou a um cabeleireiro, durante os meses em que estes estabelecimentos estiveram forçosamente encerrados por força de imposição legislativa.
Raciocínio semelhante poderá ser problematizado para dar resposta a situações de impossibilidade fáctica, tal como consagradas na nova redação do §275 (2) do BGB.
Segundo este artigo, “[o] devedor pode recusar o cumprimento da prestação caso este requeira um esforço que, tendo em consideração o conteúdo da relação obrigacional e as exigências da boa fé, esteja em grave desproporção com o interesse do credor nessa prestação. Na determinação dos esforços exigíveis ao devedor deve também ter‑se em conta se o obstáculo ao cumprimento a ele deve ser imputado”[44].
Estão aqui abrangidas situações em que a prestação ainda é possível, mas o seu cumprimento acarretaria dificuldades de tal modo gravosas que nenhum devedor razoável tentaria o cumprimento e nenhum credor razoável o exigiria[45].
Na ausência de solução normativa semelhante, entendemos que, no ordenamento jurídico português, estas situações encontrarão maioritariamente resposta nos institutos da alteração superveniente das circunstâncias ou do abuso de direito[46].
§5.
Considerações finais
São inúmeros os desafios jurídicos que a pandemia de Covid‑19 trouxe e continuará a trazer à realidade contratual, nomeadamente em matéria de distribuição de riscos contratuais.
Quanto a esta matéria, um dos principais desafios que se colocará aos tribunais será o de aferir se as regras gerais de distribuição de riscos de fonte legal e/ou contratual mantêm a sua aplicabilidade perante este contexto profundamente disruptivo, ou se o impacto da pandemia, pela sua natureza anormal e pela sua intensidade, extravasa já a ratio decidendi inerente a estas regras, devendo as mesmas ser afastadas ou corrigidas num sentido mais ajustado à justiça comutativa das situações em causa.
Trata‑se de um tema especialmente sensível, pelo potencial de insegurança e incerteza que poderá trazer, com prejuízos para a previsibilidade essencial ao bom funcionamento das relações contratuais, em especial de natureza bilateralmente comercial. Mais, trata‑se de um tema potencialmente instigador de uma conflituosidade judicial especialmente indesejável no contexto atual.
No entanto, trata‑se de um tema essencial de metodologia jurídica e de aplicação do direito, encarando as normas jurídicas na essência das ponderações jurídico‑axiológicas para que foram pensadas e num juízo de analogia – em sentido amplo – das realidades hoje materializadas por força da pandemia face a essas ponderações jurídico‑axiológicas[47].
No limite, as respostas terão sempre de ser dadas perante os casos concretos e, entendemos, poderão ser procuradas ainda dentro do sistema jurídico existente, através do recurso a institutos dotados da flexibilidade necessária e especificamente pensados para dar resposta adequada a contextos de disrupção, seja social, seja limitada ao vínculo negocial em causa. A título de exemplo, mencionámos supra, e a propósito da resolução de problemas especialmente suscitados pela pandemia no mundo negocial, os institutos da alteração superveniente das circunstâncias, da colisão de deveres e de direitos e do abuso de direito.
Porto, junho de 2021
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* Professora Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade do Porto/ Investigadora do CIJE.
[1] MARIANA FONTES DA COSTA, A atual pandemia no contexto das perturbações da grande base do negócio, Observatório Almedina, 1 de abril de 2020, disponível online em <https://observatorio. almedina.net/index.php/2020/04/01/a‑atual‑pandemia‑no‑contexto‑das‑perturbacoes‑da‑grande‑base‑do‑negocio/>. No mesmo sentido, M. CARNEIRO DA FRADA, A alteração das circunstâncias à luz do Covid‑19: teses e reflexões para um diálogo, Revista da Ordem dos Advogados, ano 80, Vol. I e II, 2020, p. 154; A. BARRETO MENEZES CORDEIRO, Alteração das circunstâncias, in 1.º videocast: Novo coronavírus e gestão da crise contratual – estratégias jurídicas, 9 de abril de 2020, pp. 32‑33, transcrição disponível online em <www.cidp.pt> e MARC‑PHILIPPE WELLER, MARKUS LIEBERKNECHT e VICTOR HABRICH, Virulente Leistungsstörungen – Auswirkungen der Corona‑Krise auf die Vertragsdurchführung, Neue Juristische Wochenschrift, 15, 2020, pp. 1017 e 1021.
[2] G. KEGEL, Empfiehlt es sich, den Einfluβ grundlegender Veränderungen des Wirtschaftslebens auf Verträge gesetzlich zu regeln und in welchem Sinn? (Geschäftsgrundlage, Vertragshilfe, Leistungsverweigerungsrecht), in Gutachten für den 40. Deutschen Juristentag, Mohr Siebeck, Tübingen, 1953, pp. 138 ss. e já anteriormente, em termos menos aprofundados, G.KEGEL, H. RUPP e K. ZWEIGERT, Die Einwirkung des Krieges auf Verträge in der Rechtsprechung Deutschlands, Frankreichs, Englands und der Vereinigten Staaten von Amerika, Walter de Gruyter, Berlin, 1941.
[3] Para uma visão global do designado “direito da perturbação das prestações” à luz do ordenamento jurídico português, seguindo a tradição germânica mais recente, CATARINA MONTEIRO PIRES, Contratos. I. Perturbações na execução, reimpressão, Coimbra, Almedina, 2020.
[4] MARTIN HENSSLER, Risiko als Vertragsgegenstand, Mohr Siebeck, Tübingen, 1994, p. 13.
[5] J. BAPTISTA MACHADO, Risco Contratual e Mora do Credor (Risco da perda do valor‑utilidade ou do rendimento da prestação e de desperdício da capacidade de prestar vinculada), in Obra Dispersa, Vol. I, Scientia Iuridica, Braga, 1991, p. 275.
Paulo Mota Pinto define o risco como “a incerteza relativamente a circunstâncias ou desenvolvimentos relevantes para prestações ou valores”. – PAULO MOTA PINTO, Contrato de swap de taxas de juro, jogo e aposta e alteração das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 144, 2014, p. 40.
Recentemente, já no contexto da pandemia de Covid‑19, A. Menezes Cordeiro define o risco como “a eventualidade da supressão de uma vantagem anteriormente garantida ou a não‑concretização de uma vantagem objeto de uma expectativa legítima.” – A. MENEZES CORDEIRO, Covid‑19 e boa‑fé, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, ano LXI, n.º 1, 2020, p. 36.
[6] A este propósito, Nuno Aureliano distingue o risco‑evento e o risco‑situação jurídica. ‑ NUNO AURELIANO,
O risco nos contratos de alienação. Contributo para o estudo do direito privado português, Almedina, Coimbra, 2009, p. 23.
[7] MARIANA FONTES DA COSTA, Da alteração superveniente das circunstâncias: em especial à luz dos contratos bilateralmente comerciais, Almedina, Coimbra, 2017, pp. 374‑375.
[8] JOACHIM JICKELI, Der langfristige Vertrag. Eine rechtswissenschaftliche Untersuchung auf institutionen‑ökonomischer Grundlage, Nomos Verlagsgesellschaft, Baden‑Baden, 1996, pp. 48 ss. Sobre esta figura e a sua relação com o problema do risco contratual, de forma mais desenvolvida, o nosso Da alteração superveniente das circunstâncias cit., pp. 58 ss.
[9] Em sentido próximo, PAUL L. JOSKOW, Vertical integration, in Handbook of the New Institutional Economics, org. de Claude Ménard e Mary M. Shirley, Springer, Berlin/Heidelberg, 2008, p. 322.
[10] Inspiramo‑nos, aqui, nos trabalhos de HERBERT SIMON, Rationality as process and as product of thought. Richard T. Ely Lecture, The American Economic Review, vol. 68, n.º 2, 1978, pp. 2 ss. e Models of Man. Social and Rational. Mathematical Essays on Rational Human Behaviour in a Social Setting, New York/London, Garland Publishing, 1987, pp. 241 ss.
[11] A noção de “custos de transação” foi introduzida, em 1937, por RONALD COASE, no seu artigo The nature of the firm, Economica, Vol. 4, n.º 16, 1937, pp. 390 ss. e, posteriormente desenvolvida por OLIVER WILLIAMSON na sua extensa obra, de que destacamos, neste contexto, o artigo Transaction cost economics: the natural progression, American Economic Review, nº 100, 2010, pp. 680 ss. Para mais desenvolvimentos sobre este tema, por todos, MARIANA FONTES DA COSTA, Da alteração superveniente das circunstâncias cit., pp. 47 ss.
[12] Neste sentido, RONALD J. GILSON, CHARLES F. SABEL e ROBERT E. SCOTT, Contracting for innovation: vertical disintegration and interfirm collaboration, Columbia Law Review, vol. 109, n.º 3, 2009, p. 452 e BENJAMIN KLEIN, Transaction cost determinants of “Unfair” contractual arrangements, American Economic Review, vol. 70, n.º 2, 1980, p. 356.
[13] Utilizamos aqui esta expressão, no sentido de modelos de cláusulas reconhecidos e identificados pelos operadores especializados na sua função e conteúdo característicos.
[14] Como assinala Werner Flume, são inúmeros os institutos jurídicos associados ao direito dos contratos que se centram ou apresentam conexões com a problemática da distribuição de riscos. ‑ WERNER FLUME, Allgemeiner Teil des Bürgerlichen Rechts, II, Das Rechtsgeschäft, 3.ª ed., Springer, Berlin/Heidelberg/New York, 1979, p. 497.
[15] MARIANA FONTES DA COSTA, Da Alteração Superveniente das Circunstâncias cit., pp. 383‑384.
[16] J. BAPTISTA MACHADO, Risco Contratual e Mora do Credor cit., p. 274.
[17] IDEM, ibidem.
[18] MARIANA FONTES DA COSTA, Da Alteração Superveniente das Circunstâncias cit., p. 379, na senda de J. BAPTISTA MACHADO, ibidem.
[19] HANS‑BERND SCHÄFER e CLAUS OTT, Lehrbuch der ökonomischen Analyse des Zivilrechts, 5.ª ed., Springer, Berlin/Heidelberg, 2012, pp. 434 ss.
[20] MARIANA FONTES DA COSTA, Da Alteração Superveniente das Circunstâncias cit., pp. 225 ss.
[21] Este conceito foi primeiramente apresentado por Franz Wieacker, Leistungshandlung und Leistungserfolg im bürgerlichen Schuldrecht, in Festschrift für Hans Carl Nipperdey zum 70 Geburtstag, org. de Rolf Dietz e Heinz Hübner, Vol. I, C. H. Beck, München/Berlin, 1965, pp. 783 ss.
[22] Seguimos muito de perto, quanto a este ponto, o raciocínio exposto por J. BAPTISTA MACHADO, Risco Contratual cit. e anteriormente, também abordando este tópico, Pressupostos da resolução por incumprimento, in Obra Dispersa, Vol. I, Scientia Iuridica, Braga, 1991, pp. 145 ss.
[23] Expressão de J. CALVÃO DA SILVA, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, separata do vol. XXX BFDUC, 2.ª ed., reimpressão, Coimbra, 1995, p. 65, nota 126. J. Antunes Varela refere‑se a um facto relativo ao credor. – J. ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Vol. II, 7.ª ed., reimpressão, Almedina, Coimbra, 1999, p. 75.
[24] J. Baptista Machado refere‑se a estas finalidades como pertencendo ao “limbo dos simples motivos em princípio juridicamente irrelevantes”. – J. BAPTISTA MACHADO, Pressupostos da resolução cit., p. 147.
[25] IDEM, Risco Contratual cit., pp. 269 ss.
[26] Esta é a solução defendida por J. BAPTISTA MACHADO, ibidem, p. 269, nota 16 e p. 280. No mesmo sentido, parece‑nos, M. CARNEIRO DA FRADA, Teoria da confiança e responsabilidade civil, Almedina, Coimbra, 2004, p. 670, nota 728. Admitindo também a aplicação a estes casos de solução conforme à consagrada no artigo 1227.º, a título de obiter dictum, o acórdão do STJ de 22‑abr‑2004 (processo n.º 04B1201, disponível em www.dgsi.pt).
[27] Sublinhando este aspeto, por todos, W. FIKENTSCHER, Die Geschäftsgrundlage als Frage des Vertragsrisikos, dargestellt unter besonderer Berücksichtigung des Bauvertrages, C. H. Beck, München, 1971, pp. 27 ss.
[28] PIETRO TRIMARCHI, Commercial impracticability in Contract Law: an economic analysis, International Review of Law and Economics, Vol. 11, n.º 1, 1991, pp. 65 ss.; MARTA CENINI, BARBARA LUPPI e FRANCESCO PARISI, Law and economics: the comparative law and economics of frustration in contracts, in Unexpected Circumstances in European Contract Law, org. de Ewoud Hondius e Hans Christoph Grigoleit, Cambridge University Press, Cambridge, 2011, pp. 36 ss. e HANS‑BERND SCHÄFER e CLAUS OTT, Lehrbuch der ökonomischen Analyse des Zivilrechts cit., pp. 442 ss. Para maiores desenvolvimentos sobre este aspeto, o nosso Da alteração superveniente das circunstâncias cit., pp. 382‑383.
[29] WERNER FLUME, Allgemeiner Teil des Bürgerlichen Rechts cit., pp. 523 ss. No mesmo sentido, M. CARNEIRO DA FRADA, Crise financeira mundial e alteração das circunstâncias: contratos de depósito vs. contratos de gestão de carteiras, Revista da Ordem dos Advogados, ano 69, vol. III/IV, 2009, p. 682 e mais recentemente, especificamente a propósito da aplicação do instituto da alteração superveniente das circunstâncias a perturbações geradas pela pandemia de Covid‑19, A alteração das circunstâncias à luz do Covid‑19 cit., p. 155.
[30] A. BARRETO MENEZES CORDEIRO, Anotação ao artigo 437.º, in Novo coronavírus e crise contratual. Anotação ao Código Civil, coord. de Catarina Monteiro Pires, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, p. 67 e MARIANA FONTES DA COSTA, A atual pandemia cit.
[31] Estamos a assumir, para este efeito ilustrativo, que os credores mantêm o interesse na prestação parcial, o que terá sido maioritariamente o caso.
Recorrendo ao mesmo exemplo para ilustrar o impacto das regras gerais de distribuição de risco contratual no contexto das perturbações geradas pela pandemia, ANA TAVEIRA DA FONSECA, Pandemia de COVID‑19 e riscos próprios do contrato, in Contratos e Pandemia: resolução, suspensão e modificação dos contratos em tempos de pandemia, coord. de Gonçalo Malheiro e Luís Barreto Xavier, Almedina, Coimbra, 2021, p. 19 e MAFALDA MIRANDA BARBOSA, Entre a impossibilidade e a alteração superveniente das circunstâncias: reflexos a propósito da pandemia de COVID‑19, Revista do Ministério Público, ano 41, número especial Covid‑19, 2020, p. 245.
[32] Abordando já, pré‑pandemia, a hipótese de a “espera” da possibilidade de cumprir pelo devedor conformar uma “exigência desrazoável”, podendo a boa‑fé reclamar a possibilidade de desvinculação pelo devedor através da resolução, CATARINA MONTEIRO PIRES, Contratos. I cit.,
p. 177.
[33] MARIANA FONTES DA COSTA, Da alteração superveniente das circunstâncias cit., p. 386.
[34] Processo n.º 3930/05, disponível em www.dgsi.pt.
[35] Ana Taveira da Fonseca refere‑se, a este propósito, a “riscos extraordinários”, entendidos enquanto socialmente atípicos. Escreve a Autora, em posição que partilhamos, que “[a]s partes quando se vinculam e não afastam as regras legais de repartição do risco assumem, em regra, riscos típicos, não riscos atípicos. Estes últimos caracterizam‑se sobretudo pelo seu caráter excecional.” ‑ ANA TAVEIRA DA FONSECA, Pandemia de COVID‑19 e riscos próprios do contrato cit., p. 33.
[36] RUI ATAÍDE, O Direito dos contratos privados face à presente crise pandémica. Alguns problemas, em especial, a impossibilidade económica temporária, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, ano LXI, n.º 1, 2020, pp. 697 ss.
[37] Expressão de RUI ATAÍDE, ibidem, p. 700.
[38] Sublinhando esta nota, por todos, ANNETTE FEIβEL e CORNELIA GORN, Finanzkrise vs. Pacta sunt servanda – Vertragsanpassung in Krisenzeiten, Betriebs‑Berater. Zeitschrift für Recht und Wirtschaft, n.º 22, 2009, p. 1139 e DIETER MEDICUS e JENS PETERSEN, Allgemeiner Teil des BGB, 11.ª ed., C. F. Müller, Heidelberg, 2016, p. 379.
[39] MANUEL DE ANDRADE, Teoria geral da relação jurídica, Vol. II, reimpressão, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 406‑407. Fazendo a mesma ressalva, J. ANTUNES VARELA, Ineficácia do testamento e vontade conjectural do testador, Coimbra Editora, Coimbra, 1950, p. 338, nota 1.
[40] Escrevemos já anteriormente no mesmo sentido, em Covid‑19 e alteração superveniente das circunstâncias, Revista da Ordem dos Advogados, no prelo. Em sentido distinto, rejeitando que esta situação possa encontrar resposta à luz do instituto da alteração superveniente das circunstâncias, RUI ATAÍDE, O Direito dos contratos privados face à presente crise pandémica cit., pp. 699 ss.
[41] Processo n.º 1117/10.9TVLSB.L1‑1, disponível em www.dgsi.pt.
[42] Ressalve‑se, porém, que a efetiva aplicação ao caso do instituto da alteração superveniente das circunstâncias ficará sempre dependente do preenchimento dos restantes requisitos de que o legislador faz depender a atuação do instituto. Para uma análise geral destes requisitos à luz da atual pandemia, o nosso Covid‑19 e alteração superveniente das circunstâncias, Revista da Ordem dos Advogados, no prelo.
[43] Neste sentido, MAFALDA MIRANDA BARBOSA, Entre a impossibilidade e a alteração superveniente das circunstâncias cit., p. 238.
[44] Tradução próxima à apresentada por A. MENEZES CORDEIRO, Tratado de direito civil. Vol. IX. Direito das obrigações. Cumprimento e não cumprimento. Transmissão. Modificação e extinção, 3ª ed., Almedina, Coimbra, 2017, p. 317.
[45] Sobre esta figura, por todos, C. W. CANARIS, Die Reform des Rechts der Leistungsstörungen, JuristenZeitung 56, n.º 10, 2001, p. 501 e VOLKER EMMERICH, Das Recht der Leistungsstörungen, 6.ª ed., C. H. Beck, München, 2005, p. 34.
[46] Para maiores desenvolvimentos sobre este ponto, MARIANA FONTES DA COSTA, Da alteração superveniente das circunstâncias cit., pp. 215 ss.
Rui Ataíde aponta ainda o instituto do abuso de direito como o “quadrante indicado para travar a onerosidade excessiva que resultar, em certos contextos, da aplicação da regra «o género nunca perece» que rege as obrigações genéricas”. ‑ RUI ATAÍDE, O Direito dos contratos privados face à presente crise pandémica cit., p. 715.
[47] Sobre as novas correntes de metodologia do direito e a relação de “analogia” entre o caso concreto e a norma, que se encontra subjacente à aplicação desta àquele, por todos, J. OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito. Introdução e teoria geral, 13ª ed., Almedina, Coimbra, 2005, pp. 593 ss.
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